
Falar sobre o enfrentamento antimanicomial é necessário e urgente, porque o manicômio, pode só ter mudado de endereço. Em muitos lares existe a prática cotidiana de medicar excessivamente uma pessoa com deficiência neurológica — muitas vezes sem supervisão médica adequada — com o objetivo de conter seus comportamentos.
Você já pensou que um ato manicomial pode estar acontecendo bem perto de você — ou dentro da sua própria casa?
Pode não haver celas ou grades. Pode não haver camisa de força. Mas há silêncio forçado, doses altíssimas de medicamentos psiquiátricos sem acompanhamento regular, e uma pessoa que parece descansar… mas que, na verdade, está dopada e com o corpo em risco.
Quando dopar vira estratégia de sobrevivência
Em muitos casos, não há maldade — há desespero. Mães, especialmente, estão adoecendo enquanto cuidam sozinhas de filhos com demandas extremas, sem poder contar com uma rede de apoio e sem uma devida assistência da saúde pública. Dopar o filho acaba se tornando também um descanso forçado para quem cuida nessas condições.
Há pais, mães e cuidadores que chegam ao ápice da exaustão. Gente que não pode adoecer, porque não há ninguém mais para cuidar do filho dependente — com deficiência intelectual severa, autismo profundo, transtorno mental grave ou crises ininterruptas.
Há lares em que a rotina é marcada por noites em claro, corridas sem fim dentro de casa, gritos, agressões, objetos quebrados, comportamentos compulsivo-obsessivos, rituais incessantes. Corpo, mente e emocional são levados além dos próprios limites, de quem cuida e da pessoa com deficiência, que também cansa, mas não consegue parar.
Em muitos casos, a medicação pesada entra como último recurso. “Se eu cair, quem vai cuidar dele?” — é uma das perguntas desesperadas. E assim, a pessoa com deficiência é mantida dopada, porque quem cuida também está à beira do colapso. Mas isso tem um custo.
Dopar não é cuidar. Mas julgar também não é ajudar
Mesmo quando os pais fazem isso como um grito de socorro, a prática traz riscos sérios e não pode ser romantizada nem banalizada. Medicamentos antipsicóticos em superdosagens, usados de forma contínua e prolongada, podem encurtar a vida, provocar doenças, dores físicas e sofrimento psíquico silencioso.
Nos casos mais severos, quando a pessoa não fala ou não compreende o que está sentindo, esse sofrimento pode explodir em comportamentos como autoagressividade ou agressividade ainda mais intensa — o que leva à manutenção dessas medicações por mais tempo e, muitas vezes, à dependência química. Essa pessoa corre o risco de passar a vida inteira sedada.
No entanto, é preciso apoio — não julgamento. Cuidadores precisam ser ouvidos, acolhidos, amparados — não criminalizados. Precisam de alternativas e soluções. Não de silenciamento, nem de abandono institucional disfarçado de cuidado. Esse tema precisa ser falado — é necessário e urgente.
Nesse exato momento, pessoas vulneráveis e dependentes estão sendo colocadas em risco, com o descanso forçado para elas e para os cuidadores. Este foi o último recurso de uma mãe que chorou em silêncio ao misturar o remédio na comida — e agora não consegue ficar em paz enquanto o filho dorme. Ela está aflita, angustiada, assolada pelo medo e pela culpa.
Se você está nesse lugar, grite por socorro. Mesmo que já tenha feito isso muitas vezes e ninguém tenha ouvido. Não desista, ainda que todas as portas pareçam fechadas. Não pare de bater!
Há histórias de famílias que conseguiram mudar tudo ao tocar o coração de alguém disposto a ajudar, ao encontrar uma rede de apoio que compreendeu sem julgar — e se moveu por ajuda.
Você tem uma vítima de ato manicomial em sua casa? Você também é vítima? Não se isole. Busque ajuda agora!
Encontre quem vive realidades semelhantes.
Entre em contato com o projeto @missaoatipica no Instagram, que pode te ajudar com uma rede de apoio.
Luta Antimanicomial: quase quatro décadas de resistênciaO dia 18 de maio marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. O movimento surgiu no Brasil nos anos 1980, com trabalhadores da saúde mental e usuários de instituições psiquiátricas, inspirados pela Reforma Psiquiátrica italiana. Em 1987, o 1º Congresso Nacional de Trabalhadores da Saúde Mental, realizado em Bauru (SP), lançou as bases para uma transformação profunda: em vez de isolar, incluir. Em vez de conter, cuidar.
A maior conquista veio em 2001, com a Lei nº 10.216, que estabeleceu diretrizes para o cuidado em liberdade, resultando no fechamento de milhares de leitos psiquiátricos privados.
Os manicômios não acabaram. Eles mudaram de endereço.
Instituições seguem praticando contenções físicas sem preparo adequado e sem manejo humanizado, em verdadeiras práticas de tortura. Profissionais seguem prescrevendo altas doses de antipsicóticos como primeiro e único recurso. Internações involuntárias continuam sendo a saída da rede pública que falha em oferecer cuidado real.
A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, afirma: ninguém pode ser privado de liberdade por causa da deficiência. Mas, na prática, a lei ainda é contradita — e o cuidado se torna punição.
Um apelo à sensibilidade
Apelo à sensibilidade
Órgãos de defesa dos direitos das pessoas com deficiência precisam fortalecer a Luta Antimanicomial, promovendo o debate e cobrando soluções. Isso não é apenas necessário — é urgente.
Devem existir políticas públicas inclusivas para todas as pessoas com deficiência. Se falta preparo para lidar com casos de alta complexidade, o poder público deve investir urgentemente na capacitação dos profissionais — mesmo que isso exija contratar instituições de fora do estado que sejam referência em cuidado especializado.
Políticos também devem assumir esse compromisso: propor audiências públicas, dialogar com os poderes públicos, destinar emendas para custear tratamentos humanizados e viáveis. São cidadãos. Têm direito à saúde integral, garantido na Constituição Federal.
COMENTÁRIOS