Brasil usa testes desatualizados para avaliar habilidades cognitivas
Faltam ferramentas essenciais para orientar o cuidado e garantir direitos

No Brasil, crianças autistas e com outras condições do neurodesenvolvimento enfrentam uma barreira invisível desde os primeiros atendimentos: a ausência de instrumentos confiáveis e atualizados para avaliar suas habilidades cognitivas e sociais. Enquanto cresce o número de diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA), faltam ferramentas essenciais para orientar o cuidado e garantir direitos.
A maioria dos profissionais que aplicam testes de inteligência em crianças no Brasil não utiliza o único instrumento normatizado para a população brasileira: o WISC-IV (Escala Wechsler de Inteligência para Crianças). Ainda assim, esse teste já está obsoleto internacionalmente, tendo sido substituído em diversos países pela versão WISC-V, que traz avanços importantes.
Maturidade socialO cenário é ainda mais grave quando se fala em maturidade social – ou seja, a capacidade da criança de se virar sozinha em tarefas do dia a dia, como comer sozinha, ir ao banheiro ou circular com segurança por ambientes conhecidos. O último teste brasileiro validado para medir esse tipo de independência foi publicado em 1976, quase 50 anos atrás.
Em artigo publicado na Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, a psicóloga e pesquisadora Alessandra Gotuzo Seabra (UFABC) destaca:
“Há escassez de instrumentos atualizados e validados para uso no Brasil, especialmente para avaliação de habilidades sociais, funcionais e de linguagem em crianças com desenvolvimento atípico”
Além disso, o uso de instrumentos internacionais não validados pode comprometer a fidedignidade dos resultados. Como explica a pesquisadora Silvia Helena Koller, referência em psicologia do desenvolvimento e avaliação contextualizada:
“O uso de testes padronizados em populações culturalmente diferentes daquelas nas quais foram desenvolvidos pode gerar resultados distorcidos, comprometendo a validade diagnóstica e a tomada de decisão”
Sem testes atualizados e adaptados, avaliações feitas para acesso a recursos como AEE (Atendimento Educacional Especializado), BPC (Benefício de Prestação Continuada) ou decisões judiciais sobre terapias correm o risco de não refletir a realidade da pessoa autista. O resultado pode ser a negação de direitos ou a indicação de tratamentos inadequados.
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